esse é meu jardim digital

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no meu jardim eu compartilho um papo novo toda semana..

você provavelmente já notou um comportamento seu que pode parecer um ciclo de auto sabotagem. quando percebe que bebeu demais, mesmo sabendo que precisava ser produtivo no outro dia, comeu demais, sabendo que isso te faria mal, ou desperdiçou horas assistindo algo que não te agrega em nada.

ninguém precisa mais te dizer o que é certo ou errado, você já ouviu, viu, leu e sentiu. ao nascer, somos jogados em um mundo onde a teia de relações já está dada, que não precisou de mim para ser criada, nem precisará de mim para permanecer como está ou se transformar em algo novo. cabe a nós descobrir o que o mundo espera da gente e o que devemos esperar do mundo. com essa relação clara, podemos nos engajar na manutenção, na mudança ou simplesmente nos abster.

você provavelmente se engajou na manutenção ou apenas ainda não entendeu como o mundo funciona. creio que, na prática, o resultado é o mesmo. partindo da nossa experiência de vida privilegiada, as formas de coerção e violência sobre nossos corpos são extremamente sutis. byung-chul han traz, em sociedade do cansaço, a ideia de que a violência que vivemos no século 21 é neuronal, em contraste com a violência viral da sociedade imunológica do século passado.

o século passado foi uma época imunológica porque havia uma divisão clara entre dentro e fora, amigo e inimigo, próprio e estranho. a violência viral é avassaladora, pois o inimigo se infiltra e penetra em todas as brechas de poder. a violência se dá a partir de um excesso de negatividade. eu sucumbo quando não consigo negar o outro. nesse contexto, a violência toma a forma de um sistema de defesa, frequentemente militar, inclusive como uma profilaxia imunológica, que acontece de maneira dialética, ao se introduzir uma parte neutralizada do outro para provocar uma imunização (vacina). é preciso infligir a si mesmo um pouco de violência para se proteger de uma violência ainda maior, que seria mortal.

nesse cenário, emergem o autoritarismo, o fascismo e o recrudescimento do controle sobre os corpos, o biopoder, uma sociedade disciplinar. é preciso eliminar o comportamento desviante, o que não é saudável, o que não é produtivo economicamente. a aniquilação do outro e a normalização dos indivíduos eram realizadas por meio da biopolítica e da coerção física e militar. é uma sociedade de hospitais, presídios, asilos, quartéis e fábricas.

quando ressaltei anteriormente o ponto de partida privilegiado para considerar a predominância da violência neuronal, entendo que aspectos da sociedade imunológica ainda se fazem presentes em certas experiências de vida. não é difícil constatar que a coerção sobre nossos corpos é diferente da que vemos em gaza ou na vivência marginalizada das grandes cidades brasileiras, em que a violência negativa e imunológica ainda está presente.

contudo, aspectos imunológicos tendem, hoje em dia, a parecer mais como um resgate de um mundo que não existe mais. as discussões sobre como entramos em um ambiente de maior polarização, de extremos, são um sinal justamente do contrário: o fato de que o paradigma pode ser discutido como objeto de reflexão é um forte sinal do seu declínio, diz o filósofo. a violência neuronal aparece com o desaparecimento do outro. contrasta com a época imunológica porque é resultado do excesso de positividade, um excesso do igual. baudrillard traz a ideia da violência da positividade: “quem vive do igual, também perece do igual”, com a obesidade dos sistemas de informação, comunicação e produção, já que não existe imunorreação à gordura. em um sistema onde domina o igual, só se pode falar de defesa em sentido figurado. o comunismo e a ideologia de gênero são apenas fantasmas.

a violência neuronal da positividade não parte do outro imunológico, é, na verdade, imanente ao sistema. ela não é privativa, mas saturante, exaustiva. deixamos um paradigma disciplinar para adentrar uma sociedade de desempenho. neste mundo, somos sujeitos do desempenho e da produção, empresários de nós mesmos, encontrando nossos propósitos de vida e maximizando nossa utilidade marginal, com preferências representadas em curvas de indiferença.

no lugar de proibições, mandamentos e leis, entram projeto, iniciativa e motivação. yes, we can! o desejo de maximizar a produção já habita o inconsciente social, não é mais necessário o uso da força. inclusive, a força da coerção da positividade é mais eficiente que a da negatividade, tendo em vista que a violência imunológica pode comprometer o corpo em si, mortos não produzem. o sujeito de desempenho está livre da coerção externa que o obriga a trabalhar; ele é soberano de si mesmo. está livre para se auto explorar, consolidando a mais eficiente forma de exploração do outro, já que agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. é uma liberdade paradoxal.

dessa liberdade paradoxal emanam as enfermidades vistas na violência neuronal: os infartos psíquicos, da depressão ao burnout. vêm do fracasso em satisfazer as exigências da sociedade do desempenho. seu comportamento patológico e a culpa pela auto sabotagem são expressões dessa sociedade e da violência neuronal que nos auto infligimos. isso é facilmente constatado quando reparamos em quantos dos nossos problemas são na verdade, sociais, frutos da violência e desigualdade.

é claro, podemos nos eximir da culpa já que sabemos disso, mas a materialidade continua a mesma. o que faremos? se nada mudará o sofrimento, desistimos? talvez seja preciso dar uma metralhadora à sísifo.